A responsabilidade de conduzir a própria vida reconhecendo-a como dom de Deus é muito séria e desafiadora. Uma tarefa que contempla responsabilidades profissionais, familiares e cidadãs. Pensar e julgar, de modo adequado, está entre os maiores desafios existenciais. O apóstolo Paulo, em sua carta aos Romanos, mostra que superar dinâmicas viciadas e obscuras nos modos de pensar e julgar é “regra de ouro”. Um desafio a ser assumido por todos. Afinal, o exercício de pensar e julgar determina procedimentos e escolhas que norteiam o conjunto da vida, a competência para superar crises e encontrar novas respostas para os desafios cotidianos.
Frequentemente, esse exercício está emoldurado de maneira rígida por certa mentalidade vigente. Por isso mesmo, há dificuldade para admitir a necessidade de transformações no próprio modo de pensar e julgar. A tendência é a cristalização – com pouca abertura para o diferente, para outras perspectivas que ensejem novas percepções. Perde-se, consequentemente, a oportunidade para enriquecer a própria vida, conhecer mais e amadurecer a mundividência. Na sociedade brasileira, o preço que se paga por esse aprisionamento à mentalidade vigente é a carência de novos líderes, além da falta de credibilidade que se desdobra no caos político. Repetem-se esquemas e dinâmicas porque não há amplo engajamento em um permanente processo de renovação existencial.
É verdade que a capacidade para pensar e julgar, discernir e escolher, depende das próprias vivências, da influência cultural, familiar e de muitas instituições. Mas, acima de tudo, esse processo é uma experiência eminentemente espiritual. Sem reconhecer a importância da espiritualidade, a tendência é se encastelar nas próprias convicções, sem a necessária disponibilidade para permanentemente reavaliá-las. São perpetuados vícios e modos equivocados de lidar com problemas que exigem soluções urgentes. Tudo se torna mais difícil.
Quando a dimensão espiritual não ilumina a capacidade de pensar e julgar, as pessoas se prendem à mediocridade. Não conseguem proporcionar às suas instituições o fôlego da renovação. Em vez disso, ganham espaço a corrupção, a mesquinhez e a ganância sem limites. Desconsidera-se a sabedoria que alimenta a lucidez. É fácil constatar que a carência de novos modos de pensar e julgar é problema comum a governantes, líderes e muitas pessoas que integram o contexto social. Gente que apresenta um discurso articulado, mas que se revela equivocado do ponto de vista ético-moral. Homens e mulheres que não se valem de critérios que objetivam o bem, a justiça e a paz para interpretar, discernir e fazer escolhas.
Investir na espiritualidade é imprescindível. Porém, o momento em que todos vão reconhecer a importância da espiritualidade na fecundação de novos modos de pensar e julgar é realidade distante. Isso porque a cristalização de convicções obsoletas perpetua, nos indivíduos, sentimentos ruins. Ora, ao se reconhecer que a espiritualidade é fundamental para a saúde física e mental, deve-se também considerar que a dimensão espiritual tem força para fazer desabrochar a sabedoria. A espiritualidade permite enxergar até mesmo o invisível. É um fundamental remédio para romper com os parâmetros da mediocridade que são hegemônicos na sociedade brasileira.
O segredo para melhorar a realidade não é abraçar incondicionalmente convicções que já estão cristalizadas, discursos políticos, partidários e ideológicos. Deve-se conquistar a liberdade que ultrapassa o apego ao dinheiro, pois a ganância aprisiona consciências. A espiritualidade é remédio que cura a doença das mentiras e do egoísmo. A dimensão espiritual alimenta novos modos de pensar e julgar. Todos são convocados para uma autoavaliação, observando as próprias convicções e formas de ver o mundo. Vale acolher a orientação espiritual e humanística do Padre José Tolentino, escritor português: “Que os nossos olhos, feitos para olhar as estrelas, não morram olhando para os nossos sapatos”.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte